Onde você quer estar quando a sua hora chegar?

segunda-feira, 6 de abril de 2009 às 12:07
Entrei naquela casa grande, espaçosa, com imagens religiosas, uma delas maior do que todas as outras. Era a de Santo Antônio, padroeiro do Lar dos idosos. Desci rampas em zigue-zague quando me deparei com um senhor sentado em sua cadeira de rodas, a bengala encostada no seu lado no sentido horizontal, perto de uma mesa de madeira, fumando um cigarro. Ficava ali como quem esperava algo, ou alguém. Desejou boa tarde a todos que passaram por ele e dali não se moveu.
Em frente o lugar onde estava o senhor, uma espécie de altar com mais algumas imagens. A fé era quase que palpável. As paredes e as molduras velhas continham flores desenhadas em tons leves, claros. O que para muitos era um lugar para esperar o fim, já foi um começo. Antes de se tornar um asilo, era um abrigo de crianças.
O espaço que abriga 57 pessoas no momento, tem capacidade máxima para 62 idosos, tendo quartos individuais ou de duas até quatro camas. Segundo a diretora do asilo, Edilene Maria Santos Costa, a instituição recebe pessoas de Uberaba e região, mas há mais idosos de fora do que da cidade. Lá vive uma senhora que veio de Ibiá – MG. “Vim a pé de Ibiá pra cá, mas daqui alguns dias eu volto pra lá, quero voltar pra minha casa” diz dona Avelina, carregando duas canecas de plástico em uma só mão. Era seu aniversário. Se perguntasse, estava fazendo 22 anos. Diminuiu outros 48 vividos além dos que dizia ter. Ela anda pelo pátio, pela cantina, pelos dormitórios, o quintal, entre as plantas, e todos os lugares da casa. Quando andávamos, eu e os colegas que ali estavam, cruzávamos com ela sempre. Numa das vezes me perguntou frente ao portão:
- O portão ta aberto?
- Não dona Avelina, por quê? Respondi sabendo a resposta.
- Pra eu ir embora pra Ibiá.
Segundo a diretora ela nunca saiu. Mas todos os dias acorda com a esperança de que vai para sua cidade natal. E dorme com ela também.
O asilo sobrevive de uma pequena verba municipal e federal, que juntas somam cerca de cinco mil reais. E essa verba tem o destino que a município ou o governo federal determina, e não de acordo com a necessidade. A sorte, segundo Edilene, é que eles recebem doações diariamente. Mas sempre falta alguma coisa. Geralmente fraldas geriátricas e alimento. Os cigarros – percebi mais pessoas, além do senhor na entrada fumando – ninguém doa e muitos acham um absurdo. Edilene contesta contando um episódio que acontecera com ela. O mesmo senhor que vi na entrada da cantina, o da cadeira de rodas, cobrava cigarros dela, já que, o maço que havia ganhado não dava para todo o final de semana. Edilene respondeu que ele teria que economizar. Foi quando ele retrucou:
- Por acaso a senhora sabe o que é estar sentado em uma cadeira de rodas, sem ter nada pra fazer, sem alguém pra conversar, e ainda por cima não poder fumar o meu cigarro?
- Não sei. Mas faço uma base – pensou, mas não disse a diretora. Foi quando ela percebeu que talvez fumar um cigarro, que pode trazer tantos problemas à saúde, poderia ser o único prazer que aquele senhor tinha ali.
No pátio ao lado da cantina, dormia e espreguiçava alguns gatos, três se não me engano. Como a maioria dos idosos ali, sozinhos em seu espaço. Mas os gatos tinham o que os idosos não tinham. A liberdade e independência de sair quando quisessem, subir em muros, correr atrás dos pássaros e brincar com as folhas do jardim. E mesmo sem essa liberdade, muitos daqueles idosos pareciam e se diziam felizes. Dona Elza, uma senhora que ficou o tempo todo sentada na porta da entrada de um dos dormitórios observava e sorria para todos q passassem por ela. E quem lhe dava o mínimo de atenção ela já puxava para conversa. Fui uma dessas pessoas a quem ela puxou conversa. Dona Elza vivia naquele lugar desde menina, aos 13 anos, quando era um abrigo de crianças. Seus parentes a deixaram e o abrigo a acolheu. Enquanto conversava com Elza, muitas pessoas de branco passavam por nós. Eram estudantes de especialidades médicas ou fisioterapêticas que estagiavam ali, dando assistência a qualquer um que precisasse.
O governo municipal cede apenas um médico. Os técnicos de enfermagem que não são estagiários, assim como um psicólogo e uma advogada, são pagos pela instituição. Segundo a diretora, a prefeitura cedia um fisioterapeuta e hoje não mais. A que assiste aos idosos, pelo menos três vezes por semana, faz isso voluntariamente. Saí daquele lugar, certa de que tinha acrescentado mais em mim. Senti uma espécie medo de chegar a idade que aquelas pessoas tinham e escondiam. De uma certa forma ainda estou longe da terceira idade, mas não o suficiente para deixar esse tipo de preocupação se esvair. Afinal de contas não sei o que, e quanto, a situação pode mudar.

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